Há quem defenda que nos dias de hoje Deus tem levantado uma geração
apostólica, restaurando “ministérios perdidos” durante séculos através
de novos apóstolos, supostamente com os mesmos poderes (e até maiores)
que os escolhidos por Jesus na igreja primitiva. Muitos deles chegam a
declarar novas revelações extrabíblicas, curas e milagres
extraordinários, liberando palavras proféticas e unções especiais,
vindas diretamente do “trono de Deus” para a Igreja. Seus seguidores
constantemente ouvem o termo “decretos apostólicos”, dos quais afirmam
que uma vez proclamados por um apóstolo, há de se cumprir fielmente a
palavra profética, pois o apóstolo é a autoridade máxima da igreja,
constituído diretamente por Deus com uma unção especial diferenciada dos
demais membros.
No site de uma “conferência apostólica” ocorrida há alguns anos, narraram a seguinte declaração de um apóstolo contemporâneo:
“A segunda noite de mover apostólico invadiu os milhares de corações
presentes nesta segunda noite de Conferência Apostólica 2006. Com a
ministração especial do Apóstolo Cesar Augusto a respeito do “Ser
Apostólico”, todos ficaram impactados com mais esta revelação vinda
direto do altar do Senhor para seus corações. Ser Apostólico é valorizar
a presença de Deus, é ser fiel, é crer que Deus pode transformar, é ter
uma unção especial para conquistar o melhor da terra e, por fim, é crer
que Deus age hoje em nossas vidas. [...] Todos saíram do Ginásio
impactados por esta revelação, saíram todos apostólicos prontos para
conquistar o Brasil e o mundo para Jesus.” [1]
Peter Wagner, um defensor do apostolado contemporâneo, define o dom de apóstolo nos dias de hoje da seguinte forma:
“O
dom de apóstolo é uma habilidade especial que Deus concede a certos
membros do corpo de Cristo, para assumirem e exercerem liderança sobre
um certo número de igrejas com uma autoridade extraordinária em assuntos
espirituais que é espontaneamente reconhecida e apreciada por estas
igrejas. A palavra chave nesta definição é AUTORIDADE, pois isto nos
ajuda a evitar um erro muito comum que as pessoas fazem ao confundirem o
dom do apóstolo com o dom de missionário.” [2]
Com estas declarações, podemos deduzir logicamente duas coisas: Ou o
ministério apostólico contemporâneo é uma realidade na Igreja nos
últimos dias, ou estamos diante de uma grande distorção bíblica, na qual
precisa ser rejeitada e combatida urgentemente. Se a primeira hipótese
estiver correta, então obviamente não devemos questioná-los, além de
aceitar como verdade de Deus tudo o que vier dos mesmos. Caso contrário,
resta-nos rejeitar totalmente as palavras e as reivindicações
proféticas destes apóstolos contemporâneos por serem antibíblicas.
Para ter plena certeza do que se trata, não existe alternativa a não
ser partir para a análise bíblica, pois a Palavra de Deus é a nossa
única regra de fé e conduta, base normativa absoluta para toda e
qualquer doutrina. Portanto, da mesma forma que os bereianos de Atos
17:11 fizeram quando receberam as palavras do Apóstolo Paulo, devemos
também analisar esta questão sob à luz das escrituras.
A primeira pergunta que devemos fazer é: existem apóstolos nos dias
de hoje? Para chegar à resposta, primeiramente precisamos entender quem
foi os apóstolos na igreja primitiva. Para tanto, é necessário verificar
o fator etimológico da palavra Apóstolo. Biblicamente, esta palavra
significa “
enviado, mensageiro, alguém enviado com ordens” (grego =
apostolos),
é utilizada no Novo Testamento em dois sentidos: 1º – Majoritariamente
de forma técnica e restrita aos apóstolos escolhidos diretamente por
Cristo; 2ª – Em sentido amplo, para casos de pessoas que foram enviadas
para uma obra especial. Neste último, a palavra utilizada provém da
correlação verbal do substantivo “
apóstolo” e o verbo em grego “
enviar” (grego =
apostello).[3] Das 81 vezes que a palavra
apóstolo
e suas derivações aparecem no texto grego do Novo Testamento, 73 vezes é
utilizada no sentido restrito ao grupo seleto dos 12 apóstolos de
Cristo, apenas 7 vezes no sentido amplo (Jo 13:16, 2Co 8:23, Gl 1:19, Fl
2:25, At 14:4 e 14, Rm 16:7) e uma vez para Jesus Cristo em Hb 3:1. [4]
Podemos perceber que, em tese, qualquer pessoa que é “enviada” para
um trabalho missionário é um apóstolo. Porém, os problemas aparecem
quando alguém propõe para si a utilização do termo no sentido restrito
ao ofício de apóstolo.
Biblicamente, havia duas qualificações específicas para o apostolado
no sentido restrito: 1ª – Ser testemunha ocular de Jesus ressurreto
(Atos 1:2-3, 1:21-22, 4:33 e 9:1-6; 1Co 9:1 e 15:7-9); 2º – Ter recebido
sua comissão apostólica diretamente de Jesus (Mt 10:1-7, Mc. 3:14, Lc
6:13-16, At 1:21-26, Gl 1:1 e 1:11-12 ). Este fato leva-nos a
questionar: quem comissionou os apóstolos contemporâneos?
Depois da ressurreição, Jesus apareceu para os apóstolos
comissionados por ele próprio e também para várias pessoas, sendo Paulo o
último a vê-lo:
“Depois foi visto por Tiago, mais tarde, por todos
os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como
por um nascido fora de tempo. Porque eu sou o menor dos apóstolos…” (1Co 15:7-9). No grego, as palavras “depois de todos” é
eschaton de pantwn, que significa literalmente “por último de todos”. [5]
Paulo foi o último apóstolo comissionado por Jesus (At 9:1-6).
Posteriormente, não encontramos base bíblica para afirmar que exista uma
sucessão ou restauração ministerial de apóstolos. Todas as tentativas
para justificar uma suposta restauração do ofício apostólico nos dias de
hoje, partiram de interpretações alegóricas, isoladas e equivocadas de
textos bíblicos.[6] Na história da igreja, não temos nenhum grande líder
utilizando para si o título de apóstolo. Papias e Policarpo, que eram
discípulos dos apóstolos e viveram logo após o ministério apostólico,
não utilizaram esse título. Nem mesmo grandes teólogos e pregadores da
história como Agostinho, Calvino, Lutero, Wesley, Whitefield, Spurgeon –
entre tantos outros, utilizaram para si o título de apóstolo.
Os apóstolos tiveram um papel fundamental para o estabelecimento da
Igreja. Nesta construção, Jesus foi a pedra angular e o fundamento foi
posto pelos apóstolos e profetas, conforme descrito em Efésios 2:19-20:
“Assim,
já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e
sois da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e
profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”. Esta passagem é o contexto direto de Efésios 4:11
“E Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres”.
Ora, se já temos o alicerce pronto, qual a necessidade de construí-lo
novamente? Na verdade não há possibilidade, pois tudo o que vier
posteriormente deverá ser estabelecido sobre esta base, conforme
alertado pelo apóstolo Paulo:
“Segundo a graça de Deus que me foi
dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro edifica
sobre ele. Porém cada um veja como edifica. Porque ninguém pode lançar
outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo.” (1Co 3:10-11)
Como fundamento da Igreja, os apóstolos possuíam plena autoridade
dada pelo próprio Jesus Cristo para designar suas palavras como Palavra
de Deus para a igreja em matéria de fé e prática. Através desta
autoridade apostólica mediante o Espírito Santo é que temos hoje o que
conhecemos como cânon do Novo Testamento, escritos pelos apóstolos. Além
disso, faziam parte das credenciais dos apóstolos: operar milagres e
sinais extraordinários como curas de surdos, aleijados, cegos,
paralíticos, deformidades físicas, ressurreições de mortos etc. (2Co
12:12). Eu creio que Deus opera curas em resposta à orações conforme a
vontade soberana d’Ele, porém não creio que as mesmas aconteçam através
do comando verbal de novos apóstolos, da mesma forma que era feito pelos
apóstolos na igreja primitiva de forma extraordinária.
Outro grande problema que encontramos no título de apóstolo nos dias
de hoje é que, automaticamente as pessoas associam o termo aos 12
apóstolos de Jesus. Quem lê o Novo Testamento, identifica a grande
autoridade atribuída ao ofício de apóstolo e consequentemente esta
autoridade será ligada aos contemporâneos. Quem reivindica o título de
apóstolo, biblicamente está tomando para si os mesmos ofícios dos
apóstolos comissionados por Jesus, colocando as próprias palavras
proferidas ou escritas em pé de igualdade e autoridade dos autores do
Novo Testamento. Afinal, os apóstolos tinham autoridade para receber
revelações diretas de Deus e escrevê-las para o uso da Igreja. Se
admitirmos que existam “novos apóstolos”, devemos assumir que a Bíblia é
insuficiente e que as palavras dos contemporâneos são canônicas, o que é
absolutamente impossível e antibíblico!
Não podemos deixar de citar o festival de misticismo antibíblico
praticado por muitos apóstolos contemporâneos, tais como: atos
proféticos, novas unções, revelações extrabíblicas, maniqueísmo,
manipulação e coronelização da fé através do conceito “não toqueis nos
ungidos”, judaização do evangelho etc. Além disso, o próprio modo de
vida deles mostra o oposto dos originais, os apóstolos de Cristo tiveram
vida humilde, foram presos, açoitados, humilhados e todos (com excessão
de Judas Iscariotes que suicidou-se e João que teve morte natural)
morreram martirizados por pregarem o evangelho. Ao contrário disso, os
contemporâneos vivem uma vida com patrimônios milionários, conforto e
prosperidade financeira. Quando sofrem algum tipo de “perseguição”, as
mesmas são decorrentes à contravenções penais com a justiça.
Após esta breve análise, concluo que não há apóstolos hoje! O
apostolado contemporâneo é uma distorção bíblica gravíssima que
reivindica autoridade extrabíblica, da mesma forma que a sucessão
apostólica da Igreja católica romana e os Mórmons. Por isso, devemos
rejeitar a “restauração” do ofício apostólico, pois os apóstolos
contemporâneos não se encaixam nos padrões bíblicos que validam o
apostolado, bem como não existe base bíblica que autorize tal
restauração.
Sola Scriptura!
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